O cheiro do café recém-passado é quase um rito de passagem das manhãs brasileiras. Há quem diga que só começa a funcionar depois da primeira xícara. Mas o que acontece no corpo e na mente quando tomamos café todos os dias? E será que esse hábito, tão comum, serve para todos os tipos de corpo e mente? Vamos conversar sobre isso com duas lentes que me acompanham: a do Ayurveda e a da Psicanálise.
No corpo: o café e os Doshas
No Ayurveda, todo alimento é analisado pela sua rasa (sabor), virya (potência), vipaka (efeito pós-digestivo) e prabhava (efeito específico). O café é amargo (tikta) e adstringente (kashaya), com potência quente e seca. Em pequenas doses, pode estimular o agni (fogo digestivo) e até oferecer clareza mental — mas cada dosha reage de forma diferente a esse estímulo.
📚 Referência: Vasant Lad – “The Complete Book of Ayurvedic Home Remedies”
Vata (Ar + Éter): já leve, seco e móvel, o Vata tende à ansiedade e à irregularidade. O café pode agravar esses traços, causando insônia, inquietude e desconexão. Para Vata, o ideal é reduzir ou consumir com moderação, sempre com alimentos nutritivos e untuosos.
Pitta (Fogo + Água): intenso e quente por natureza, Pitta pode entrar em ebulição com o café. A bebida aumenta a acidez e pode levar à irritação, raiva e inflamações. Prefira versões suaves, como café com leite vegetal de aveia ou amêndoas, e evite o consumo em jejum.
Kapha (Terra + Água): lento, estável e pesado, Kapha é o dosha que mais se beneficia do café — desde que não use a bebida como muleta para levantar da cama. Pode ajudar na digestão e estimular a energia, mas o uso constante pode alimentar o apego e a letargia pós-estímulo.
Na mente: o café como objeto de desejo
Do ponto de vista da psicanálise, o café pode ser visto como um objeto transicional — um elemento que acolhe a angústia e dá forma ao vazio. É o gesto de aquecer as mãos na xícara, de parar por cinco minutos para “sentir que existimos”. Ele pode ser o suporte de uma rotina simbólica, mas também um ponto de fixação.
📚 Referência: D. W. Winnicott – “O Brincar e a Realidade”
Lacan, por sua vez, nos lembra que o sujeito está dividido entre o desejo e o gozo. O café pode ser o gozo encenado no cotidiano: um excesso que se repete, um “ato falho” disfarçado de autocuidado.
📚 Referência: Jacques Lacan – “O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise”
Quando o café deixa de ser escolha e se torna necessidade, temos um sintoma. Tomar café pode ser um jeito de silenciar o corpo que pede descanso, de anestesiar a alma que pede escuta.
☕ O café que revela… ou esconde
Você toma café para despertar… ou para fugir de algo? Para criar… ou para não cair?
O Ayurveda ensina que o que é remédio para um, pode ser veneno para outro. A Psicanálise mostra que o hábito carrega sempre um desejo oculto. E entre um gole e outro, talvez você descubra que o que deseja… não é exatamente café.
Ritual de observação consciente:
Amanhã, antes de tomar seu café, pare!!!!
Segure a xícara com as duas mãos. Sinta o cheiro. Olhe o líquido escuro. Inspire fundo. Pergunte-se: “O que estou buscando aqui?” Não há resposta certa — há só escuta.
E você, como se relaciona com o café?
Conta pra mim nos comentários ou compartilha com alguém que ama essa bebida tanto quanto você. ☕🖤
Com carinho
Michiorlin