Entre Palavras e Silêncios: A Importância do Espaço Não-Verbal na Sessão Psicanalítica
O Silêncio na Psicanálise: Ferramenta de Autoconhecimento e Reflexão
Não poucas vezes me pego questionando a importância do silêncio na vida e na sessão psicanalítica.
Por vezes percebo que o silêncio seria “desconfortante”, tanto para o paciente como para o psicanalista, contudo apesar de as vezes "perturbador”, o silêncio desempenha um papel significativo no processo terapêutico.
Sabemos que uma das técnicas fundamentais utilizadas na psicanálise é a associação livre, na qual os pacientes são encorajados a expressar livremente seus pensamentos e sentimentos, sem censura ou julgamento.
Durante as sessões de psicanálise, o analista, geralmente, mantém uma postura de escuta ativa e/ou flutuante, permitindo que o paciente fale livremente sobre seus problemas, desejos, sonhos e fantasias.
E é nesse contexto que entendo que o silêncio pode desempenhar diferentes funções, chegando a ser parte de uma manifestação de associação livre.
Isso porque, analisando o lado do paciente, ele pode ser manifestado espontaneamente, seja como manifestação livre ou até mesmo parte de um recalque, fato que poderá ser importante para o psicanalista observar e para o tratamento propriamente dito.
Por outro lado, analisando o lado do psicanalista, o silêncio do analista pode ser interpretado como uma forma de encorajar o paciente a continuar falando, a explorar mais profundamente seus pensamentos e sentimentos. Agindo desta forma, o psicanalista evita interromper o fluxo de associações do paciente, permitindo que ele mergulhe em suas próprias reflexões internas.
O silêncio também pode ser visto como um espaço para o paciente refletir sobre o que foi dito. Após uma associação livre, o paciente muitas vezes fica em silêncio, processando as conexões que foram feitas e buscando novas percepções, passando assim o silêncio, a ser um momento de autorreflexão importante na psicanálise.
Se analisarmos o silêncio como recalque, como mencionado acima, ele pode ser um sinal de que algo importante está sendo evitado ou reprimido, que o paciente está encontrando dificuldades para falar sobre um determinado tópico ou expressar certas emoções. O silêncio prolongado nessas situações pode indicar a presença de resistências ou defesas psicológicas.
Não se pode esquecer, que o silêncio é também forma de comunicação não verbal, tanto por parte do analisando como por parte do analista. Às vezes, palavras não são necessárias para transmitir mensagens e sentimentos como desconforto, compreensão, empatia, entre outros.
A técnica do silêncio na psicanálise não seria uma regra, podendo ser aplicada de forma individual, possuindo cada terapeuta a sua abordagem e diferentes maneiras de lidar com a mesma durante as sessões.
Sigmund Freud tinha uma visão ambígua sobre o uso do silêncio na sessão de psicanálise. Por um lado, ele reconhecia a importância do silêncio como um meio de permitir que os pacientes se expressem livremente e explorem seus pensamentos e emoções sem interrupções. Freud também enfatizava a importância da interpretação e da comunicação verbal durante o processo psicanalítico.
Desta forma, o silêncio em si poderia ter diferentes significados.
Por exemplo, ele considerava que períodos de silêncio prolongados poderiam indicar resistências psicológicas por parte do paciente, ou seja, uma relutância inconsciente em trazer à tona certos pensamentos ou emoções. Para Freud, o trabalho do analista era interpretar esses silêncios e explorar as razões subjacentes a eles.
Ao mesmo tempo, Freud enfatizava a importância da livre associação, encorajando os pacientes a falar livremente sobre o que viesse à mente, sem censura ou autocensura. Ele acreditava que, ao falar livremente, os pacientes poderiam revelar conteúdos inconscientes e alcançar uma compreensão mais profunda de si mesmos.
Portanto, embora Freud valorizasse a importância do silêncio como uma forma de permitir a livre expressão do paciente, ele também enfatizava a necessidade de uma comunicação verbal ativa entre o analista e o paciente. A interpretação das palavras, o diálogo e a reflexão conjunta eram considerados fundamentais para o progresso no processo psicanalítico.
Desta forma, o silêncio também é palavra, sendo uma ferramenta de autoconhecimento e reflexão para o processo terapêutico.
Deve-se levar em conta ainda, que há efeitos do silêncio no corpo e na mente, uma vez que o silêncio também é a ausência total ou relativa de sons audíveis. Há benefícios da Terapia do Silêncio tais como a redução a tensão muscular que o estresse gera no corpo e a eliminação da “sujeira” que os imputs alastram na mente.
Por experiência própria, tive contato com a técnica do silêncio através da Meditação Vipassana, que é um método onde o individuo fica 11 dias em silêncio em um templo budista.
Para quem não conhece, Vipassa significa ver as coisas como realmente são, é uma das mais antigas técnicas de meditação da Índia. É ensinada há mais de 2500 anos como uma ferramenta para ajuda de males físicos e psicológicos, para o despertar da arte de viver.
A experiência no início foi extremamente angustiante, porque o método exige não só o silêncio, mas também que se evite contato visual por 10 dias, retornando a fala apenas no último dia de retiro. Aos participantes é, ainda exigida, a pratica de meditação por 10 horas/dia.
Confesso que para mim foram inúmeras as dificuldades, alem de não falar, ficar recolhida por esse período em um templo, com pessoas desconhecidas, evitando contato verbal e ocular, sem contato externo, exercícios físicos, acesso à celulares, livros ou qualquer tipo de informação, além da imobilidade do corpo durante as sessões de meditação (4 vezes por dia) que causavam dores musculares.
Pior, com o passar dos dias, apesar do silêncio, parece que a mente começa a falar por si própria, ficando agitada e “tagarela”. Ao decorrer do processo, com a meditação e técnica de respiração ali ensinada, a mente foi aquietando, tendo sido uma experiência verdadeiramente gratificante, que trouxe não só clareza mental, com insights tanto do passado, como para decisões futuras das quais tinha dúvidas, além de melhora física.
Portanto, em que pese a dualidade, tanto no que se refere a aplicação da técnica do silêncio, como também os seus significados, o silêncio pode ser interpretado tanto para o paciente como para o psicanalista, como uma ferramenta de autoconhecimento, auto exploração e comunicação, pontos fundamentais para um bom resultado no tratamento psicanalítico.
Vale dizer mais, não só o silêncio, mas a própria possibilidade de silenciar durante uma sessão, é muito importante para o trabalho psicanalítico, na medida em traz à tona aquilo que não consegue passar à palavra e que, por isso, traumatiza.
É claro que o esforço de uma psicanálise vai na direção da palavra, mas isso não pode ser forçado. O trabalho de autoconhecimento precisa ser realizado pelo próprio paciente que, no seu tempo, se autoriza a manter uma relação transferencial com seu psicanalista, ultrapassando a barreira de silêncio, dissolvendo amarras e sintomas que, até então, se apresentavam de forma mascarada o que estava recalcado ou talvez apenas silenciado.
O silêncio pode servir como uma técnica de espelhamento, quando uma pessoa faz uma pergunta ao terapeuta e é surpreendido com silêncio devidamente executado, podendo fazer com que a pergunta formulada com o intuito de saber uma resposta do profissional seja respondida pelo próprio paciente, estimulando o individuo a chegar às suas conclusões, o que evitaria qualquer tipo de imposição do terapeuta.
O silêncio pode significar várias coisas para o analisando, dependendo dos momentos de uma análise ou de uma sessão: interesse, cuidado cumplicidade, respeito ao discurso, consentimento, indiferença, sono, rejeição e até mesmo desejo de eliminação deste.
O silêncio não é somente estratégia. O silêncio pode, de fato, ser repleto de palavras silenciosas, portadoras do sentido consciente e inconsciente: pode, igualmente, estar cheio de outras coisas além de palavras.
Já o silencio do analista não é uma meditação, é uma forma de escuta ativa sem efeito sonoro, é uma ferramenta de trabalho e uma oportunidade de receber sinais de recalque do seu analisando.
O silêncio tem uma grande importância para a psicanálise, principalmente na prática clínica. Ele não se refere apenas à ausência de palavras, na verdade pode ser considerado um estado afetivo/psicológico, consciente e inconsciente que comunica.
Tanto o analisando com o psicanalista não podem ter medo ou receio do silêncio, na medida que é uma ferramenta de autoconhecimento e uma técnica de intervenção clínica.
O silêncio é uma reflexão para ambas as partes em uma sessão psicanalítica, é uma pausa, mas também é palavra.
”O silêncio fala, o silêncio ensurdece, o silêncio é gratificante, o silêncio é paz, o silêncio é pausa, o silêncio é guerra, o silêncio aquieta, o silêncio agita, o silêncio controla, o silêncio descontrola, o silencio constrange, o silêncio quebra o gelo, o silêncio é poder, o silêncio é pensar, o silêncio é não pensar, o silêncio é respeito, o silêncio é desrespeito, o silêncio é manifestação, o silêncio é protesto, o silêncio é decisivo, o silêncio é dúvida, o silencio é reflexão, o silêncio é escuta, o silêncio é acolhimento, silêncio é desacolhimento, o silêncio é fantasia, o silêncio é realidade, o silêncio é tudo, o silêncio é nada.”
Milena Lopes Chiorlin