O Vício de Fumar na Perspectiva Psicanalítica
Entre a Angústia e o Prazer: O Lugar do Fumo na Economia Psíquica
O hábito de fumar é um comportamento complexo que pode ser analisado a partir da psicanálise, pois envolve questões ligadas à pulsão, ao desejo, à falta e à satisfação oral. Fumar não é apenas uma questão de vício físico, mas um ato carregado de significados inconscientes.
1. A Relação com a Pulsão Oral
Freud descreve a fase oral como o primeiro estágio do desenvolvimento psicossexual, no qual a boca é a principal fonte de prazer. Fumar pode ser uma expressão de fixação nessa fase:
• A pulsão oral envolve o prazer de chupar, morder, soprar e sugar, o que está presente no ato de fumar.
• O cigarro se torna um substituto simbólico do prazer oral primário, como o contato do bebê com o seio materno.
• Fumar pode ser uma forma de buscar satisfação imediata, assim como a criança busca satisfação ao se alimentar.
Exemplo clínico: Uma pessoa que tem dificuldade em lidar com frustrações pode buscar no ato de fumar uma forma rápida e imediata de acalmar a ansiedade ou preencher uma sensação de vazio.
2. Fumar Como Ato de Gozo
Na perspectiva lacaniana, o gozo vai além do prazer, é um excesso que pode ser destrutivo. Fumar pode ser visto como um ato de gozo, pois envolve um prazer que se dá ao custo do corpo (o dano à saúde).
• Fumar pode representar a busca por um gozo autodestrutivo, uma forma de lidar com a angústia através do excesso.
• O cigarro pode simbolizar um objeto que nunca satisfaz completamente, fazendo com que o sujeito repita o ato em busca de uma satisfação impossível.
• O gozo de fumar é muitas vezes acompanhado de culpa, reforçando a dimensão de um superego que ordena: “Goza, mas paga o preço por isso!”
Exemplo clínico: Alguém que fuma compulsivamente, mesmo sabendo dos danos, pode estar vivendo um conflito interno onde o gozo do cigarro serve para abafar ou desviar a angústia de uma falta que não consegue simbolizar.
3. O Cigarro Como Objeto Transicional
O cigarro pode funcionar como um objeto transicional, termo proposto por Winnicott para descrever objetos que servem como uma ponte entre a realidade interna e a externa.
• Fumar pode proporcionar uma sensação de acolhimento e segurança, semelhante ao papel do objeto transicional na infância (como um cobertor ou pelúcia).
• Em momentos de tensão ou ansiedade, o cigarro pode oferecer uma sensação momentânea de conforto e controle.
• Ele pode simbolizar a presença de algo que acalma a falta de um objeto de amor.
Exemplo clínico: Alguém que fuma quando se sente sozinho pode estar usando o cigarro como um substituto simbólico para lidar com a ausência de conexão emocional.
4. O Superego e a Culpa Relacionados ao Fumar
O ato de fumar muitas vezes está ligado a uma dimensão de transgressão e culpa, especialmente em um contexto onde os danos à saúde são amplamente divulgados.
• Fumar pode ser uma forma de desafiar a autoridade, como um ato de rebeldia contra normas sociais ou familiares.
• O superego pode impor uma culpa constante pelo ato de fumar, o que reforça o ciclo de prazer e punição.
• A culpa pode funcionar como um reforço inconsciente do hábito, já que o sujeito encontra no cigarro uma forma de lidar com a própria autocensura.
Exemplo clínico: Uma pessoa que fuma e sente culpa pode estar em um ciclo de autossabotagem, onde o cigarro funciona tanto como fonte de prazer quanto de punição.
5. Fumar Como Símbolo de Independência ou Poder
Em certos contextos, o cigarro pode assumir significados ligados à independência, poder ou sedução.
• O ato de fumar pode ser associado a uma imagem de força, como se o sujeito estivesse domando um objeto perigoso.
• Em contextos históricos e sociais, fumar foi visto como um símbolo de rebeldia e transgressão, principalmente em relação a normas de comportamento.
• Pode representar uma tentativa de se apropriar do desejo do Outro, impondo a própria presença de forma visível e marcante.
Exemplo clínico: Alguém que fuma em situações sociais para parecer mais confiante ou seguro pode estar tentando se apropriar de um significante de poder e desejo.
6. Fumar e a Repetição Compulsiva
Freud descreve o conceito de repetição compulsiva como uma tendência a repetir experiências, mesmo quando elas são prejudiciais.
• O ato de fumar pode ser uma forma de repetir uma experiência de satisfação incompleta, tentando obter um prazer sempre inalcançável.
• A repetição pode funcionar como uma forma de evitar o contato direto com a angústia, desviando a energia psíquica para um ato ritualístico.
Exemplo clínico: Alguém que fuma em momentos de estresse pode estar buscando um alívio temporário para evitar enfrentar o núcleo da angústia.
Caminhos Possíveis na Psicanálise
Na clínica psicanalítica, a análise do hábito de fumar não visa simplesmente eliminar o comportamento, mas entender o que ele representa no inconsciente do sujeito.
Algumas perguntas que podem ser exploradas:
1. O que eu busco quando fumo?
2. Qual é a falta que o cigarro tenta preencher?
3. O que o ato de fumar representa para mim?
4. O que aconteceria se eu não fumasse neste momento?
5. Quais são os sentimentos associados ao hábito (culpa, prazer, alívio)?
O objetivo é permitir que o sujeito possa simbolizar o desejo que está encoberto pelo ato de fumar e encontrar outras formas de lidar com a falta e a angústia, menos marcadas pelo gozo autodestrutivo.
E você ainda fuma ou já fumou?
Conta a sua história para mim.
Com carinho
Michiorlin