Por que o amor recíproco parece entediante? Por que a gente foge de quem nos ama?
Quando o amor tranquilo não provoca desejo, talvez seja hora de escutar o que se repete em nós.
A repetição do sofrimento pode ser mais confortável do que a experiência do amor real. Mas por quê?
Existe algo de profundamente inquietante em perceber que, quando alguém finalmente nos ama de forma íntegra, disponível e constante, a resposta nem sempre é a alegria. Às vezes, é o tédio. Às vezes, é o desejo de fugir.
Mas por quê?
A resposta não está no outro, nem na qualidade do afeto oferecido. Está em nós. Está na estrutura do nosso desejo.
Desde muito cedo, aprendemos a desejar a partir da falta. Freud já dizia: somos seres marcados pela ausência, pela impossibilidade de sermos completamente satisfeitos. Lacan vai além e afirma que o desejo é sempre o desejo do Outro — ou seja, desejamos o que (achamos que) o outro deseja, ou aquilo que acreditamos que nos fará completos.
Só que o desejo, nessa lógica, se alimenta de tensão. De distância. De obstáculos.
E é aí que mora o problema: quando encontramos alguém que nos ama sem jogo, sem falta, sem resistência, o desejo pode se esvaziar. Porque ele não sabe o que fazer quando não há um obstáculo a conquistar.
Muitas vezes, isso vem da repetição. A criança que cresceu buscando amor de um pai ausente, de uma mãe imprevisível, de uma figura que nunca estava completamente disponível… acaba repetindo, na vida adulta, esse mesmo movimento.
É como se o inconsciente dissesse: “é assim que o amor é, é isso que eu reconheço como amor”.
Então, quando aparece alguém que ama de forma tranquila, presente, interessada… o sujeito não reconhece isso como desejo. E confunde essa paz com tédio.
O que nos atrai, muitas vezes, não é o que nos faz bem.
É o que nos é familiar. Mesmo que isso signifique sofrimento.
Essa dinâmica não é consciente. Não se trata de “escolhas ruins” ou “pessoas que não sabem o que querem”.
Trata-se de estrutura. De repetições que se constroem ao longo da vida e que precisam ser escutadas, atravessadas, elaboradas.
A boa notícia é que isso pode mudar.
Quando colocamos o desejo em análise, quando olhamos de frente para essas repetições e começamos a escutá-las sem julgamentos, algo pode se deslocar.
É possível aprender a desejar sem dor.
A reconhecer o amor sem precisar perdê-lo primeiro.
A sustentar o afeto sem precisar que ele doa para parecer verdadeiro.
✨ E você, já se perguntou por que foge de quem te ama de verdade?
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Com escuta,
Mi Chiorlin