POR QUE OS DESEJOS SE REALIZAM ONDE INVESTIMOS NOSSA LIBIDO?
Uma reflexão sobre desejo, repetição e elaboração à luz da psicanálise
Confesso: essa pergunta me acompanha há tempos. Ela vem, vai, e volta como um eco insistente, como um sonho recorrente que ainda guarda algo por dizer. E parece que não sou só eu — escuto isso na clínica, nas conversas do dia a dia, nos desabafos de amigas:
“Quando eu coloquei energia de verdade, aconteceu.”
“Nada dá certo porque eu não consigo me entregar.”
“Se eu quiser mesmo, eu consigo.”
Essa intuição, por mais popular que soe, carrega uma verdade potente: o que ganha nossa libido — nossa energia psíquica — ganha corpo, forma, direção. Não se trata de pensamento mágico. Estamos falando do desejo inconsciente e de como ele se inscreve no mundo quando há investimento libidinal.
Inspirada por Freud — especialmente o texto Recordar, Repetir e Elaborar (1914) — comecei a investigar mais a fundo essa ideia, buscando entender por que certos desejos parecem se realizar apenas quando conseguimos sustentar sua carga emocional, mesmo que isso implique passar por repetições, frustrações e angústias.
O que escutamos quando alguém repete?
Na clínica, é comum ouvir que “quando a energia vai, a coisa anda”. Isso aparece tanto como surpresa quanto como lamento. O que se repete não é, necessariamente, teimosia ou azar. A repetição é, muitas vezes, o modo como o inconsciente fala. Não com palavras, mas com atos. Padrões. Sintomas.
Freud nos ensina que aquilo que não conseguimos recordar, repetimos — como se o passado insistisse em se fazer presente de novo, esperando ser simbolizado. Mas nomear o passado não basta. É preciso elaborar. E é aí que entra a libido: é ela que alimenta tanto a repetição quanto a possibilidade de criação.
Investir libido em algo é dar a isso presença psíquica. É o que faz a repetição virar pergunta e, às vezes, virada.
Desejar não é só querer. É sustentar o desejo.
Lacan nos lembra que o desejo não é simplesmente o que eu “quero”, mas o que me falta. E essa falta — constitutiva — é o motor da vida psíquica. É o que nos move, nos inquieta, nos constrói como sujeitos desejantes.
Mas para que o desejo se sustente, é preciso algo mais: é preciso libido em jogo. Um desejo sem libido vira fantasia vazia. Uma libido sem simbolização vira gozo que machuca.
É nessa costura entre desejo e libido que algo pode, de fato, se transformar.
E o que é libido, afinal?
Freud nos diz que é a energia psíquica das pulsões de vida. A força vital que busca ligação, prazer, criação. Começa no sexual, mas se estende ao trabalho, ao cuidado, ao amor, à arte — e sim, também ao sintoma.
Lacan dá um passo além e mostra que a libido gira em torno da falta. Desejamos porque algo nos escapa — e é esse movimento de falta que estrutura nosso ser.
Assim, perguntar onde colocamos nossa libido é perguntar: o que nos move? Onde apostamos nossa energia psíquica? Onde estamos, de fato, implicados?
O desejo se realiza… ou se reinscreve?
Freud muda o eixo da cura: ela não está na lembrança exata do trauma, mas no modo como o sujeito repete o trauma — nas suas escolhas, relações e impasses. O passado retorna, mas transfigurado. A análise, então, é esse espaço em que o sujeito pode olhar para a repetição não como prisão, mas como possibilidade.
Lacan reformula essa ideia dizendo que o desejo é sempre mediado pelo Outro. Desejamos o que falta — e o que falta está sempre em relação com esse Outro simbólico. Mas é só quando há libido sustentando o desejo que algo muda de posição: o que era repetição sem saída vira elaboração.
Na clínica, isso se revela com clareza: aquela paciente que sempre se envolvia com parceiros indisponíveis e sofria abandono — até que, em análise, pôde parar de agir e começar a escutar. A repetição virou pergunta. A angústia, ferramenta.
Não foi milagre. Foi trabalho.
Desejos não se realizam por mágica — mas por elaboração
Por isso, a frase “os desejos se realizam onde investimos nossa libido” só faz sentido se entendermos que desejo exige sustentação, tempo, escuta. E coragem.
Coragem para sustentar o que nos falta. Para não fugir da repetição, mas atravessá-la. Para desejar de verdade — com toda a implicação que isso traz.
A análise não realiza desejos. Ela constrói um campo onde o sujeito pode, enfim, desejá-los. E isso é tudo, porque desejar já é uma forma de realizar, ainda que não completamente.
Como diz Lacan:
“O desejo é sua própria realização na medida em que não se realiza totalmente.”
“Na análise, o sujeito é convocado a desejar.”
E você, o que está fazendo para realizar os seus desejos? Onde está investindo sua libido?
Com carinho
Michiorlin