Quantas vezes você vai repetir a mesma história?
O desejo não se realiza no controle — mas na escuta daquilo que nos falta e insiste em voltar.
Desejar é atravessar a falta — mas, muitas vezes, a gente se perde no caminho.
O desejo nunca é simples.
Ele se anuncia em falta, se constrói em torno do que não temos, e se repete — muitas vezes — nas formas mais disfarçadas de sofrimento.
Na clínica, escutamos isso o tempo todo: “sempre escolho a mesma pessoa”, “sempre caio nos mesmos erros”, “não sei por que repito isso”.
Não se trata de azar, nem de burrice emocional. Se trata de estrutura.
Lacan nos diz que o sujeito se constitui a partir da falta.
Somos atravessados por uma perda fundante — um “algo” que jamais teremos por completo. Essa falta não é um defeito, mas o que justamente nos impulsiona a desejar, a criar, a buscar. O problema é quando, em vez de elaborar essa falta, o sujeito tenta tamponá-la com repetições.
E aí entra a armadilha:
Voltamos para o mesmo lugar esperando outro desfecho. Reencenamos histórias antigas esperando que agora seja diferente. Repetimos o que nos feriu, como se pudéssemos curar pelo controle.
Essa é a ilusão da repetição: de que se eu tentar de novo, com força, com mais estratégia, com outro corpo — agora vai.
Mas o que se repete não é o objeto. É o lugar que ocupamos diante dele.
É como se o inconsciente dissesse: “vai lá, repete mais uma vez… talvez agora funcione”.
E no fim, estamos apenas contornando a falta, sem atravessá-la.
A travessia acontece quando, em vez de repetir, começamos a simbolizar.
Quando falamos sobre o que se repete.
Quando colocamos em análise aquilo que parecia apenas destino.
Ao fazer isso, o sujeito sai do lugar de “quem sofre” para o lugar de quem fala sobre o que sofre.
E isso muda tudo.
Porque o sofrimento, quando escutado, não precisa mais se repetir. Ele pode se transformar.
A travessia do desejo é isso:
Sair do automático.
Acolher a falta.
Abrir espaço para que algo novo possa surgir.
É aceitar que talvez o amor que desejamos não venha no formato que fantasiamos — e que ainda assim ele pode ser real.
É abandonar o controle como forma de sobrevivência e experimentar a entrega como gesto de criação.
E você, o que tem se repetido na sua vida?
Talvez seja a hora de deixar de correr em círculos e começar a atravessar.
Com escuta,
Mi Chiorlin